Maternidade atípica
Sentei para escrever meu primeiro texto para esse espaço tão especial. Pensei, pensei, quebrei a cabeça… mas no fundo sempre soube por onde começar, já que não posso falar de maternidade sem antes contar da minha, tão única. A maternidade tão diferente, ATÍPICA.
Tudo começa em 2015, antes mesmo da minha filha, Maria Eduarda, sequer ser um plano distante. Aos meus 20 anos, sofri um derrame cerebral isquêmico que me tornou hemiplégica. Sim, da noite pro dia lá estava eu na UTI sem movimentar 50% do meu corpo. Desesperada, passei dias terríveis de pânico, tristeza e dúvidas. Questionamentos. Por que comigo? Por que agora? Por que, por quê…? E fiquei mesmo sem entender nenhum dos porquês que vinham à tona dia pós dia. Ao longo do tempo fui me fortalecendo, superando, e recuperei grande parte dos movimentos. Entendi que a vida não pode parar simplesmente porque eu tive um problema. Por maior que ele fosse, precisava levantar a cabeça e seguir em frente. Foi aí que aprendi a mudar a perspectiva do meu olhar e a virada de chave começou. Precisava de ainda mais garra, força. Acreditei que seria capaz e fui! Hoje vivo uma vida normal.
A maternidade veio em 2017 (Sim! Mal tinha me recuperado do AVC- físico e emocionalmente) como um susto e me pegou tão desprevenida quanto o derrame. Aliás, nos pegou. Eu e Thiago, meu atual marido. Nós namorávamos há 1 ano. Eu tinha DIU mirena (ou pelo menos era o que pensava- depois vim a saber que eu expeli), e vivia normal como qualquer outra menina de 22 anos, exceto pelas fisioterapias eternas e a limitação da (ainda— e até hoje) paralisia na mão esquerda. Não sei explicar como eu descobri a gravidez. Eu simplesmente soube, senti, e por uma semana exata dormia todos os dias sabendo, mas procrastinando o exame por não querer acreditar. Não era possível!! De novo tudo fora dos meus planos. De novo a vida decidindo por mim!? E lá vem à tona todos os questionamentos mais uma vez. Aqueles que lá atrás não foram respondidos, só multiplicados. Eu simplesmente surtei, entrei em pânico, tive medo, me desesperei. Não podia acreditar. Foi longe de uma alegria essa descoberta, principalmente por ter ouvido dos meus médicos que eu poderia morrer (graças a Deus tive uma gestação normal). Foi um grande medo, e a sensação da minha vida jogada pela janela de vez. Assim como o derrame, foi um processo. De aceitação, entendimento, aprendizado… uma verdadeira construção. Uma relação que ao contrário do que me diziam, não nasceu pronta e linda no parto, mas sim se construiu. Dia pós dia. A cada nova descoberta, a cada mamada, cólica, vacina, esboço de sorriso, grunhido e até a cada choro.
As coisas não estavam fáceis, mas mais uma vez, a vida precisa seguir. Novamente não podia mudar a situação, mudei a perspectiva do meu olhar. Eu era mãe, então seria a melhor versão possível. Dentro da minha realidade, que é diferente de grande parte das mães. Cuidar de uma filha sem uma mão. Uma mãe dependente, cuidando de um recém nascido ainda mais. Os primeiros banhos, fraldas, roupas… impossível! Realmente não deu e não foi falta de vontade. Quantos choros no banheiro, dias que pareciam não ter fim, sentimento de fraqueza, incapacidade… acontece que aquela nova mãe, de apenas 22 anos, não conseguia lembrar de um grande aprendizado que a vida já havia trazido: tudo passa! E aquela fase também passaria. Me tornei (e me torno um pouco mais a cada nova fase) uma mãe forte, resiliente, orgulhosa de si. Uma mãe que já tentou muito e foi impedida pela limitação física, mas que nunca desistiu, e por isso conseguiu. Me superei! Hoje posso passar dias com ela sozinha (só não esperem chuquinhas no cabelo e roupas muito complexas). Mas pra chegar até aqui, passei muitas dificuldades desde o início. Vergonha da minha diferença, medo de decepcionar minha família, tristeza por não poder ser uma “mãe normal” e, principalmente, medo de não ser um boa mãe. Sensação de que nunca seria capaz. Cada pedido der ajuda era uma dor no coração. Zero privacidade com a minha própria filha por um bom tempo, precisava de alguém pra tudo. Levei meses (quase 1 ano) pra sair sozinha com ela. Não dei o primeiro banho e chorei muito por isso. Não troquei fraldas e bodies nos primeiros meses, e chorei também. Os penteados no cabelo? Esquece! Perdi as contas quantas mamadeiras eu derrubei por não conseguir fechar direito com uma mão só. Era ajuda pra tudo. Todos os dias. Sem exceção! E imaginar poder ser uma mãe como todas as outras… era um sonho. Foram dias realmente difíceis. E o pior sentimento, vergonha da minha vulnerabilidade. Porque me sentia inferiorizada, incapaz, debilitada demais para ocupar o papel de mãe. Quase que não merecedora.
Até que aqueles questionamentos começaram a ser esclarecidos… tudo era um motivo maior, Deus sabe o que faz. O que tira, o que traz. Todos aqueles sustos e dificuldades me trouxeram até aqui, exatamente onde eu gostaria de estar. Então pude entendê-los, e não mudaria tudo que eu passei nem por um segundo. Aí que eu me dei conta de quanto eu já era vitoriosa! A cada “primeira vez”, um valor imensurável. A primeira fralda, o primeiro banho, a primeira vez que ficamos sozinhas em casa ou que saímos. E até viajamos! Tudo tinha um significado imenso, nada era tão simples e no automático, e esse prazer da superação era só meu! Pequenas conquistas, uma enorme vitória! Quão forte eu fui para passar por tudo isso, apenas 2 anos depois de sofrer um derrame que mudou minha vida inteirinha. Eu precisava inspirar pessoas, vencer mais uma batalha e orgulhar a mim mesma, e aos outros! Então precisava me superar cada vez mais.
Hoje, aos 2 anos e 7 meses da Maria Eduarda, tudo é mais leve. Não só pelo fato de que ela tem sua própria independência, mas pela ajuda que ela me da. Pela compreensão dela. Pelo companheirismo. Pela minha segurança em saber que posso sim ser a melhor mãe pra minha filha com ou sem o movimento de uma mão. Que, na verdade, o amor e a dedicação é o que prevalece. Que maternidade se faz pelo exemplo e o meu é de força e resiliência. E que quando ela for capaz de entender um pouquinho mais, ela vai se orgulhar da mãe que tem. Assim como hoje, eu sinto, porque faço da minha maternidade atípica a experiência mais linda que eu já tive o prazer de viver! Esse texto resume um pouco do meu olhar para a maternidade e dá início ao conteúdo que quero trazer para vocês com um olhar singular, compartilhado e repleto de amor sobre assuntos importantes relacionados a esse mundo tão mágico e real.
Com amor e todo meu coração, Nicole.